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domingo, 16 de agosto de 2015

couro de jararaca

couro de jararaca (do Brasil) sobre chapéu de couro de canguru (da Austrália)
Há alguns meses atrás fui a casa dos meus pais e fazendo uma limpa no matagal de lá deparei-me com uma cobra Jararaca. Ela estava sem saída entre o canil e eu e não vi outra alternativa que não fosse matá-la, devido a periculosidade e agressividade que representa.
Apesar do pesar, resolvi aproveitar o couro dela. Já curti alguns couros como lagarto, cruzeira e coral e é sempre um desafio, até porque cada uma têm suas peculiaridades.
Aproveitei e registrei com a câmera do meu humilde celular

1- TIRANDO O COURO
 Esta gravação foi num forte dia de Sol por isso a precariedade da imagem, mas note-se que o corte foi feito na barriga a partir da parte inferior.
Muitas cobras, como a Jararaca, vivem em pares, por isso é importante não deixar rastros para evitar que venha a(o) outra(o) companheira(o).

2- DEIXAR O COURO DE MOLHO
Neste caso optei por deixar dois dias de molho para que o resto da carne que ficou presa no couro ficasse mais fácil de limpar antes de começar o tratamento em si.

3- TRATANDO O COURO DA COBRA
Após dar outra lavada no couro, estendi-o sobre um monte de sal e glicerina que coloquei em uma tábua de madeira e apliquei mais outra camada em cima do couro de modo que ele ficou como que enterrado em sal e glicerina.
Esperei mais dois ou três dias e retirei os produtos aplicados para dessa vez deixar o couro de molho em um potinho com água e cinzas de madeira por mais 2 dias.

4- ESTICANDO O COURO PARA TERMINAR A CURTIÇÃO
Esta é uma parte delicada do processo pois foi preciso muita sensibilidade para não rasgar o couro e ao mesmo tempo esticar BEM .
Neste caso considero que os pontos ficaram muitos distantes um do outro e numa futura oportunidade espero lembrar-me disso e fazer diferente.

5- COLAR O COURO SOBRE OUTRO MAIS DURO
O couro da Jararaca é extremamente mole, parece um papel, dei uma leve hidratada com óleo de peroba e depois colei-o com cola de sapateiro em um outro couro (de boi) para poder trabalhá-lo.
é importante que se dê uma atenção especial sobre as cascas de escamas que vão caindo eventualmente.

6- FIXANDO O COURO DA COBRA NO COURO DE CANGURU
O couro da cobra teve um grande destino. Um chapéu para fins de uso em rituais xamânicos.
Para isso eu medi-o no chapéu, cortei a parte excedente, desenhei o contorno para saber exatamente onde aplicar a cola.
 A cola de sapateiro exige que seja aplicada separadamente sobre as duas superficies a serem juntadas. Após isso, espera-se uns 5 minutos, se não me engano.
Depois, com o chapéu devidamente preenchido internamente, amarrei os couros unidos a fim de mantê-los pressionados durante a secagem.
Enfim, esta parte de como colar está no verso da lata e não tem muito segredo.

7- RESULTADO FINAL
Esta foto foi meu amigo, dono do chapéu, que me mandou. Ele comprou um verniz especial para couro e aplicou-o fazendo com que além do brilho, realça-se os desenhos da pele da cobra e, acredito eu, fixa-se as escamas que ainda não tinham se soltado por completo (casca das escamas). Ainda tem um pouco da marca do grafite da hora em que delineei o couro para saber onde aplicaria a cola. Mas isso sai fácil se não com o dedo, espero que com o tempo.

Hoje, ao olhar estas fotos, lembro do momento em que olhava os olhos hipnóticos da cobra que me encarava em riste com que fosse me dar o bote ha qualquer instante.

Lembro-me de pedir desculpas antes de atacá-la com um golpe mortal e perfeito. Sentei e fiquei ali parado olhando pra ela em um momento em que tudo era silêncio. O coração estava acelerado como sempre ficou toda as vezes em que me deparei no meio do mato com uma jararaca. Todas as vezes eu recuara e desta vez não tive escolha e, se tinha, até agora não sei.

Sempre fui criado em grandes capitais e talvez por isso veja os bichos selvagens com tanta sacralidade.
Mas pajelanças a parte, queria relatar  a alegria de saber que uma experiência pessoal, tão espiritual, agora vai partir para uma jornada de várias outras na cabeça de um amigo que está viajando pelo mundo afim de conectar-se com a natureza e dividir sua vivência com outras pessoas que, como ele, estão a procura de algo mais.
Como artesão, é preciso sempre trabalhar, também, o desapego...