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terça-feira, 5 de abril de 2022

Gato e peixe - 1970


Tatuagem autoral





Madame Satã

 A primeira vez que ouvi falar de Madame Satã foi por meu pai. "Eu o vi algumas vezes pela Lapa, no Rio. Ele se vestia de mulher, mas era um sujeito bravo. Quando alguém ia lá tirar um sarro dele, ele dava uma surra. Inclusive, em vários de uma vez. Até a polícia apanhava também."  

De fato, ainda em vida e até hoje, Madame Satã é parte do imaginário popular da boemia carioca. Mas a grande parte de sua vida não foi apenas na Lapa mas, também, trancado em penitenciárias. Por trás de uma história curiosa havia um negro, nordestino e trabalhador chamado João Francisco dos Santos que foi trocado por uma égua aos 7 anos para ser escravizado  em uma fazenda (apesar da lei áurea ter entrado em vigor 19 anos antes), e  se mudou para o Rio de Janeiro aos 8 anos. Aos 13 chega na Lapa. Aquele pivete de rua começou a trabalhar vendendo panos de pratos e panelas de alumínio. Aprendeu a arte da capoeira e passou a trabalhar de segurança e cozinheiro, antes de entrar pro crime. O teatro o afastou por um tempo da boemia. Infelizmente, em 1928, um vigia do boteco onde João parou pra tomar um trago foi tirar uma onda com ele, que buscou uma pistola, voltou ao bar e matou o guarda. Mas este, também era policial e, desde então, passa a ser perseguido pela polícia. E assim começava sua vida marginal de idas e vindas ao cárcere. 

A alcunha de Madame Satã veio após uma detenção dele e dos amigos na saída de um desfile de carnaval. Alguns dias antes João saíra vitorioso com uma fantasia com asas de morcego. no "Concurso das Bichas" Na ocasião o delegado perguntou o nome, mas ele se recusou a dizer, só que acabou send reconhecido como o vencedor do concurso, recebendo assim o apelido que fazia alusão ao filme de Cecil B. de Mille, Madam Satan.

Aprendeu a arte dos Maltas, de jogar capoeira com navalha no pé, com seu primeiro "professor", o cafetão Sete Coroas, um dos malandros mais considerados. Quando este morreu, deixou seus negócios para o João, que também já era um malandro de respeito por seu soco de esquerda. Posteriormente, Madame Satã abre uma casa de abrigo para prostitutas descansarem, mas logo a polícia fecha. 

Apesar de homossexual assumido, João se casou com 34 anos e adotou seis crianças. Foi preso várias vezes, em sua maioria, por descer o cacete na polícia (em especial ,nos delegados). e, aos 76 anos, foi internado como indigente com câncer no pulmão, vindo a falecer dois meses depois. 

É reconhecido por muitos como a primeira ativista preta LGBT do Brasil, além da primeira travesti preta artista do Brasil. 





"Essa mania da polícia chegar, bater e começar a fazer covardia, eu lamentava e pedia a eles pra não fazer isso. Afinal de contas, se o sujeito estiver errado, eles que prendam, botem na cadeia, processe, tá certo. Agora, bater no meio da rua fica ridículo. Afinal, nós somos seres humanos"