Nesta obra eu tomei a licença poética e, pela primeira vez, resolvi misturar duas figuras que se complementam.
Ambas elas têm muita coisa em comum como, por exemplo, o fato de serem ícones do feminismo, rebeldes, a relação com cobras, a marginalização, além de finais trágicos. De fato,
Luz del Fuego, chegou a se caracterizar como Eva (a antítese de Lilith). No entanto, podemos observar ao analisarmos a história delas, como o arquétipo da entidade considerada demoníaca para muitos, se encaixa perfeitamente com a personalidade de uma artista tão a frente de seu tempo que ainda hoje muita gente desconhece. Mas ambas são
"luz que não se apaga".
LUZ DEL FUEGO
Nome artístico da capixaba Dora Vivacqua (1917-1967), bailarina feminista e naturista brasileira.
Geniosa, desde cedo já nutria paixão por cobras e aversão à regras como, por exemplo o uso de sutiã. Era muito comum vê-la nas praias só de calcinha um bustiê improvisado com panos em pleno anos 20-30, quando nem se sabia o que era biquini no Brasil!
Após um escandaloso caso com seu cunhado (importante empreiteiro do Brasil), ela foi acusada de ser esquizofrênica e internada a força em um Hospital psiquiátrico. Após dois meses ela foi para uma fazenda onde a encontraram "vestida" como Eva, com apenas três folhas de parreira e cobras enroladas em seu pulso como se fossem braceletes. Ao ser repreendida, revidou atirando um vaso na cabeça de seu irmão e acabou sendo internada pela segunda vez.
Tempos depois decidiu aventurar-se no paraquedismo mas logo foi proibida pelo seu, então, companheiro.
Resolveu estudar dança e passou a se apresentar no circo. E assim nasce o sucesso que foi Luz del Fuego que passa a revolucionar os costumes brasileiros se apresentando seminua com seu casal de jibóias, Cornélius e Castorina.
Adepta do vegetarianismo e do nudismo, Luz del Fuego consegue uma concessão da marinha e tranforma sua Ilha do Sol no primeiro clube naturista do Brasil.
Funda um partido político, o Partido Naturalista Brasileiro pelo qual se candidata a Deputada Federal.
Por onde ela passava, seus espetáculos rendiam enormes bilheterias (muitas das quais destinava os valores a entidades beneficentes) e, também, muitos escândalos e prisões. Acabou tornando-se uma verdadeira vedete brasileira entrando para o imaginário popular.
Em 1967 foi assassinada por ladrões (antigos desafetos) na Ilha do Sol .
PS. Seu irmão Atílio, candidato ao governo de Minas Gerais era constantemente atacado por cabos da oposição vestidos de padre que diziam ser ele irmão de uma mulher demoníaca. O que abre margem para nossa próxima análise.
LILITH
É uma personagem feminina da mitologia babilônica. Mas é também referida nas mais diversas civilizações. Até mesmo no Velho Testamento, pode-se encontrá-la sugerida em alguns versículos.
Lilith teria sido a primeira mulher. A que veio do barro como Adão.
Mas em determinado momento, ela contestou sua posição inferior imposta pelo homem e rebelou-se no paraíso pela igualdade dos sexos. Como castigo foi transformada em um demônio (ou cobra). Deus, então fez a Eva
"agora, sim" da costela de Adão.
Lilith teria se associado com o demônio Samael que tentaria à Eva (que acabaria por gerar Caim) enquanto Lilith seduziria a Adão, causando assim a expulsão do homem e da mulher do paraíso.
A origem do nome fonético "Lilite" é atribuída aos sumérios, que a associavam com a Lua devido as constantes variações de fases.
Para os mesopotâmicos, ela é associada ao vento e, por isso, portador de mal-estares, doenças e morte.
Os gregos por sua vez as associam com a deusa Hécate que guarda, em cima do cão Cérebro, as portas do Inferno. Representa a vida noturna e a rebeldia da mulher sobre o homem.
Mas em nenhuma outra mitologia ela é tão conhecida por nós como na cultura hebraica. Talvez, sincretizada ou simplesmente absorvida dos babilônicos durante o cativeiro dos hebreus, Lilith foi transformada em um verdadeiro demônio dando margem à lendas vampíricas.
Lilith é o símbolo da liberdade feminina associada a forças negativas ao longo da história patriarcal da humanidade que, em sua maioria, foi essencialmente machista. Mesmo assim, nunca foi esquecida chegando a associar-se com tempos de fertilização e tempos de castração. Se por um a lado a religião têm seu papel doutrinador estabelecedor de dogmas e mantedor de tabus, Lilith pode servir como uma "luz" de uma igualdade que nunca foi esquecida.
Acredito que para se entender a história é preciso estar alheio ao bem e o mal, certo e errado e mesmo ao positivo e negativo. E entendendo a história e seus padrões, pode-se vislumbrar um futuro pelo qual se valha a pena lutar.
Viva às lutas do 8 de Março!
"Um nudista é uma pessoa que acredita que a indumentária não é necessária à moralidade do corpo humano. Não concebe que o corpo humano tenha partes indecentes que se precisem esconder."
(Luz Del Fuego)